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sábado, 12 de novembro de 2011

A NOVIDADE

O nome dele era Gabriel. Tinha 16 anos, todos os braços e todas as pernas. Vivia numa comunidade chamada “Se Deus Quiser”. Se deus quiser, apesar do nome, era um lugar que ninguém queria estar. Ninguém. Gabriel sabia disso.

O menino não lia nem escrevia. Mas era campeão de empinar pipa. Todos os dias, às 16h, ia para a frente do escritório do Doutor Péricles, um advogado que lhe dava o dinheiro do pão em troca de nada. Ele fazia com que, todos os dias, Gabriel chegasse em casa com o sorriso e com o pão.

Tinha 6 irmåos. Um deles era Jonathan, um menino bom que trabalhava pra gente ruim. Gabriel era o homem da família, seu pai morreu no ano passado quando tentava atravessar a rua e uma moto atrapalhou seus planos.

Dia desses, Gabriel foi soltar pipa na praia. Luiza tava lá. Luiza era a filha do Doutor Péricles e Gabriel gostava muito dela. Pipa vai, pipa vem e a galera ficou na praia até mais tarde, até que chegou uma hora em que só restaram os dois. A hora certa. Gabriel chamou Luiza pra dar uma bola nas pedras. O plano era perfeito. Seguraria a mão dela, falaria aquela letra do pagode que tinha ouvido no Bar de Seu Zeca e pimba: depois do beijo, teria uma bela história pra contar. O plano deu certo.

Chegou a hora de Luiza voltar pra casa. Gabriel pegou a menina pela mão e, assim que chegaram ao calçadão, o destino resolveu dar o seu toque na história. Quatro pessoas estavam correndo, uma delas era Jonathan. Aos gritos, Gabriel recebeu a ordem para correr, correr bem rápido. Obedeceu ao irmão mais velho. Com a sirene do carro de polícia como trilha sonora, os seis continuaram correndo. Gritos e sirene. Sirene e muito mais gritos. Um tiro e um corpo de menino no chão.

Gabriel foi atingido por uma bala da polícia. Morreu sem nem saber o porquê. No jornal, falaram que o menino estava vendendo drogas para uma garota inocente. Depois de vender, ele tentou um assalto. Luiza explicou a situação verdadeira, mas isso não saiu no jornal.

Os policiais não se mostraram arrependidos de nada, até porque, Gabriel era pobre e preto. Jonathan virou crente. Doutor Péricles nunca mais entregou o dinheiro do pão a ninguém. Luiza lembra de Gabriel até hoje, se perguntando o porque do mundo ser tão esquisito. Em Se Deus Quiser, tudo continua a mesma coisa.

2 comentários:

  1. texto lindo e triste...
    porém o mais triste é saber que isso de fato existe...
    beijo!

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  2. Ai Iedinha, que lindo! Sim, triste, mas tem poesia, e na minha cabeça todas as personagens tem rosto, forma e cheiro...

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